• Precisamos “olhar” para Kevin

    Imagem1“Precisamos falar sobre Kevin” (Livro de Lionel Shriver e Filme dirigido por Lynne Ramsay) gera no grande público um misto de emoções. Uma história entrecortada baseada em memórias de uma mãe que escreve cartas ao marido.

    Trata-se de uma ficção dramática que pode ter sob o viés da Psicanálise diversos pontos de discussão, como a questão da maternidade, da paternidade, das relações familiares, dos transtornos de personalidade, entre outros.

    Inicialmente meu olhar pendeu para a figura da mãe de Kevin – Eva (brilhantemente interpretado por Tilda Swinton). Talvez porque no momento em que “conheci” Kevin e Eva, estava envolvida com uma pesquisa no campo da maternidade e os vínculos iniciais.

    Eva é uma mulher bem sucedida profissionalmente que por um período abdica de sua carreira a se ver sob o desejo do marido pela paternidade, e é por essa via que sua maternidade acontece. Meu ponto inicial é a questão da maternidade que ocorre na satisfação do desejo do Outro e que não se vincula, não se “ata” ao bebê.

    O vínculo entre mãe e filho, ao longo do ciclo gestacional e os primeiros meses de Kevin é insuficiente, uma vez que Eva tem grande dificuldade em exercer sua maternidade haja vista, a problemática frente aos cuidados para com o bebê e sua falta de afeto, ou seja, parece ter havido um impedimento de inserir o filho no campo da linguagem, podendo nomeá-lo e nomear a ele, mundo a sua volta. Isto porque, ao nascer o bebê está imerso no limbo, por não ser nada além de sensações corporais, assim, é preciso que haja uma relação deste com a linguagem (via materna) para que do vazio possa se constituir um sujeito.

    Entretanto, esse vínculo claudicante fora estabelecido e pode-se dizer que solidificado. Ele “suporta a história e seus acontecimentos”, apresenta a “mãe” em sua incapacidade materna nos primeiros cuidados, mas também a mulher que não consegue deixar de “ser mãe” que insistentemente se esforça para se aproximar do filho por maiores que sejam suas resistências e ambivalência. Não “falta” às visitas ao filho na prisão, pois não consegue mais “faltar”.

    Este é um dos pontos dos quais refleti neste universo que Shriver criou. Entretanto, meu desejo neste momento é de “olhar” para Kevin sob outro prisma, não do ponto de vista patológico, mas do ponto infantil que também observo na clínica de crianças que para trazer o olhar parental (seja do pai, da mãe ou do cuidador), fazem de “tudo” para serem punidos. Numa fantasia de que o espancamento (não necessariamente na forma literal) é uma forma de demonstrar o amor, pois a criança pode entender que “Se ele me bate, ele me ama”.

    O que quero dizer é que a posição masoquista é um pedido para ser amado através da punição, assim, Freud (1918:39) expõem: “Uma criança que se comporta de forma indócil está fazendo uma confissão e tentando provocar um castigo. Espera por uma surra como um meio de simultaneamente pacificar seus sentimentos de culpa e de satisfazer sua tendência sexual masoquista”. Esclareço, que esse modo de agir não precisa se perpetuar na vida adulta, o sujeito pode fazer uso repressão, sublimação e de outros mecanismos.
    Imagem2

    Neste contexto, na história de Shriver, o fato de Eva ter agredido o filho, dá a fantasia criada por Kevin que a mãe o ama, e dessa forma, a protege quando poderia entrega-la ao pai ou ao serviço médico-hospitalar, criando uma mentira e dela um pacto de silêncio e amor.

    O que percebo na clínica é que a forma de comunicação entre alguns pares (filho-mãe/pai) se dá pela via da agressividade, por perderem a paciência com a criança, ou por não conseguirem/saberem lidar com as demandas de seus filhos, se utilizando da agressividade-punição como tentativa de solucionar o problema. Ocorre que o problema não acaba.

    É por isso que meu texto troca o “falar sobre”, para o “olhar para”, no sentido de que esse olhar para a criança, possa abrir novos caminhos para a relação que se estabelece entre o par e à medida que esse olhar ganha espaço poderá caminhar com o falar “com”, além de “sobre”.

     

    Por Bruna Alencar (Psicóloga e Psicanalista) – Mogi das Cruzes – SP

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Social Widgets powered by AB-WebLog.com.